quinta-feira, 9 de maio de 2013

CONTE PAPAI... LEIA, MAMÃE...





POR UMA ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS

Ah, como é importante na formação de qualquer criança ouvir muitas histórias... Escutar histórias é o início da aprendizagem para ser um leitor, e ser um leitor é ter todo um caminho de descobertas e de compreensão do mundo, absolutamente infinito...
O primeiro contato da criança com um texto é feito, em geral, oralmente. É pela voz da mãe e do pai, contando conto...s de fada, trechos da Bíblia, histórias inventadas tendo a gente como personagem, narrativas de quando eles eram crianças e tanta, tanta coisa mais... Contadas durante o dia, numa tarde de chuva ou à noite, antes de dormir, preparando para o sono gostoso e reparador e para um sonho rico, embalado por uma voz amada... E poder rir, sorrir, gargalhar com as situações vividas pelos personagens, com a idéia do conto ou com o jeito de escrever de um autor e, então, poder ser um pouco cúmplice desse momento de humor, de gozação.
Ler histórias para crianças, sempre, sempre... É suscitar o imaginário, é ter a curiosidade respondida em relação a tantas perguntas, e encontrar outras ideias para solucionar questões – como os personagens fizeram... – é estimular para desenhar, para musicar, para teatralizar, para brincar... Afinal tudo pode nascer de um texto.
O significado de escutar histórias é tão amplo... É uma possibilidade de descobrir o mundo imenso dos conflitos das dificuldades, dos impasses, das soluções, que todos atravessamos e vivemos, de um jeito ou de outro, através dos problemas que vão sendo defrontados, enfrentados (ou não), resolvidos (ou não) pelos personagens de cada história (cada um a seu modo...) E assim esclarecer melhor os nossos ou encontrar um caminho possível para a resolução deles... É ouvindo histórias que se pode sentir (também) emoções importantes como a tristeza, a raiva, a irritação, o medo, a alegria, o pavor, a impotência, a insegurança e tantas outras mais, e viver profundamente isso tudo que as narrativas provocam e suscitam em que as ouve ou as lê, com toda a amplitude, significância e verdade que cada uma delas fez (ou não) brotar...
É através de uma história que se pode descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos de agir e de ser, outras regras, outra ética, outra ótica... É ficar sabendo história, geografia, filosofia, direito, política, sociologia, antropologia, etc..., sem precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula... porque, se tiver, deixa de ser literatura, deixa de ser prazer, e passa a ser didática, que é um outro departamento (não tão preocupado em abrir todas as comportas da compreensão do mundo)...
Ouvir e ler histórias é também desenvolver todo o potencial crítico da criança. É poder pensar, duvidar, se perguntar, questionar... É se sentir inquieto, cutucado, querendo saber mais e melhor ou percebendo que se pode mudar de ideia... É saber criticar o que foi lido ou escutado e o que significou... É ter vontade de reler ou deixar de lado de vez...
É ficar fissurado querendo ouvir de novo mil vezes ou saber que detestou e não quer mais nenhuma aproximação com aquela história tão chata, ou tão boba ou tão sem graça... É formar a opinião, é ir formulando os próprios critérios, é começar a amar um autor, um gênero, uma ideia, e daí ir seguindo por essa trilha e ir encontrando outros e novos valores (que talvez façam redobrar o amor pelo autor ou viver uma decepção... Mas isso tudo faz parte da vida).
Ouvir histórias é ficar conhecendo escritores – e daí ser importantíssimo dizer à criança o título do que está escutando e seu autor (se for material recolhido da cultura popular, se for autor desconhecido, que se diga também...) Faz parte da formação saber quem nos disse coisas bonitas, ou encantadas ou maravilhosas ou chatas, para que a referência fique e o caminho esteja aberto para continuar mergulhado nos textos de quem se admira, para dar uma colher de chá a quem não nos envolveu tanto num primeiro contato ou para desistir (ou adiar para um outro momento da vida...) a proximidade com um escrevinhador que nos desagradou ou decepcionou...
Para contar uma história, é preciso saber como se faz... Afinal, nela se descobrem palavras novas, se depara com a música e com a sonoridade das frases, dos nomes... Capta-se o ritmo, a cadência do conto, fluindo como uma canção... E para isso, quem conta tem que criar o clima de envolvimento, de encanto... Saber dar as pausas, o tempo para o imaginário de cada criança construir seu cenário, visualizar os seus monstros, criar os seus dragões, adentrar pela sua floresta, vestir a princesa com a roupa que está inventando, pensar na cara do rei... E tantas outras coisas mais...
E se forem as ilustrações do livro feitas por um desenhista, dar o tempo para que todos vejam (ou os que preferem caminhar na sua própria e pessoal ilustração, que fechem os olhos...) E quando a criança for manusear sozinha os livros, que o folheie bem folheado, que olhe tanto quanto queira, que brinque com o seu formato, que se delicie em retirá-lo da estante (reconhecendo-o sozinha... seja em casa ou na escola) que vire página por página, ou que pule algumas pra reencontrar aquele momento especial que estava buscando...
Se a criança não lê é porque não lhe estão contando histórias ou não lhe estão apontando caminhos para o desfrute de bons e belos textos... Que existem (tantos...) e são fáceis de achar... Literatura é arte, literatura é prazer... Que a escola encampe esse lado e deixe as cobranças didáticas para os departamentos devidos... E nesse sentido, ela faz parte do leque da educação artística, e não da língua portuguesa... Uma das atividades mais fundantes, mais significativas, mais abrangentes e mais suscitadoras de tantas outras, é aquela que decorre do ouvir e do ler uma boa história.
Fazendo artes nº 8. Rio de Janeiro, FUNARTE. 1980.
(Fanny Abramovich, crítica de Literatura Infantil e Escritora)